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Pesquisa revela que Prefeitura de São Paulo não sabe informar onde gastou R$ 48 bilhões entre 2014 e 2017
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Estudo apresentado pela Fundação Tide Setubal mostra falta de transparência do orçamento municipal, com ausência de dados sobre a localização geográfica, exigida por lei de grande parte das despesas públicas
Um estudo apresentado pela Fundação Tide Setubal, instituição que tem como missão atuar no enfrentamento das desigualdades socioespaciais nas periferias urbanas, revela que a Prefeitura de São Paulo não sabe informar para onde foram R$ 48,6 bilhões dos gastos públicos em investimentos e serviços prestados à população, em análise que compreende o período do Plano Plurianual de 2014 a 2017. Esse valor corresponde a 75% do total dos gastos, expondo o descumprimento à Lei Orgânica do Município, que torna a regionalização do gasto público obrigatória.
Intitulada “Gasto público no território e o território do gasto na política pública”, a pesquisa feita pelo geógrafo Tomás Wissenbach, consultor da Fundação Tide Setubal, divulgada nesta terça-feira, 31 de julho, durante o ciclo de debates Vozes Urbanas, analisa os gastos das secretarias-fim na cidade com investimentos e despesas com terceiros. O subconjunto, nesse intervalo de quatro anos, totalizou 17.290 ações orçamentárias.
Assistência Social, Saúde e Educação lideram o ranking; Secretaria de Prefeituras Regionais e Secretaria de Cultura registram índices melhores
Assistência Social é a área que mais chama atenção no estudo, com 97,1% das ações orçamentárias com a localização não identificada; seguida por Saúde e Educação, com 80,2% e 78,4%, respectivamente. Os melhores índices, por outro lado, são da Secretaria de Prefeituras Regionais, que não sabe identificar a localização de 52% de seu orçamento; e da Secretaria de Cultura, com 41,3%.
Exemplos mostram falta de detalhamento territorial
Alguns exemplos demonstram a falta de transparência do orçamento municipal, os quais envolvem territorialização do gasto público sem apresentar dados sobre a sua localização. Um deles, da área da Saúde, mostra que a ação orçamentária “Operação e manutenção de unidades hospitalares, prontos socorros e pronto atendimento” consumiu R$ 5,9 bilhões, porém não dispõe de detalhamento territorial sobre esse gasto. O mesmo ocorre com a Secretaria de Educação, que não identifica a localização para onde foram os R$ 6 bilhões gastos com “Operação e manutenção de CEIs e creches da rede conveniada”.
“Apesar de as regras que tratam do orçamento público serem extremamente detalhadas no que se refere à sua aplicação, essa rigidez ainda não é cumprida em relação ao requisito da regionalização”, explica o geógrafo Tomás Wissenbach.
Causas, consequências e possíveis soluções
Dentre as principais dificuldades para a não identificação da localização dos gastos estão as ausências de rotinas administrativas para a produção de informação de qualidade sobre o orçamento público e de controle sobre os contratos com terceiros. Outra falha é a falta de identificação nos contratos de investimentos e dotações orçamentárias, além de lotes de obras sem a devida discriminação do local de execução e do valor. Para o geógrafo, é preciso realizar um trabalho de conscientização junto aos funcionários responsáveis pela despesa pública do município, que, por vezes, veem a questão orçamentária como meramente burocrática e operacional.
Como o orçamento público tem a dupla função de ser um mecanismo de controle democrático sobre os governos eleitos e também ser um instrumento de planejamento, gestão e racionalização da ação pública, não informar a localização geográfica das despesas públicas tem inúmeras consequências para a cidade. Uma delas é a falta de informação para qualificar o debate público orçamentário, distanciando o cidadão do tema. “Como podemos enfrentar as desigualdades socioespaciais, olhando para as demandas dos territórios se não sabemos como os gastos são aplicados? Esse estudo evidencia o quanto a falta de clareza prejudica a participação social, e a formulação e a execução das políticas públicas. Temos que provocar a administração pública a melhorar as práticas de gestão”, explica Handemba Mutana Poli dos Santos, coordenador de Ação Macropolítica da Fundação Tide Setubal.
O geógrafo Tomás Wissenbach aponta possíveis medidas para tornar mais transparentes as informações dos gastos públicos. “Ao mesmo tempo em que providências devem ser tomadas pela administração municipal, há espaço para ações mobilizadoras por meio de iniciativas da sociedade civil e parcerias com órgãos de controle, além de análises e leituras sobre as prioridades dos governos municipais em relação às políticas sociais, de infraestrutura urbana ou habitação”, afirma Wissenbach. Ele acrescenta que editais e concursos de monografias podem ser instrumentos úteis para mobilizar pesquisadores e instituições acadêmicas e contribuir para manter o tema em evidência na agenda pública.
A Fundação Tide Setubal trabalha, desde 2006, no fortalecimento de ações territoriais e na participação social para enfrentamento das desigualdades. “Atuamos a partir da perspectiva em que o território importa para a construção de políticas públicas. Nesse sentido, a participação social é essencial e a transparência e clareza de informações, fundamentais para os processos democráticos”, conclui Handemba Mutana, da Fundação Tide Setubal.
Para ler o estudo na íntegra, acesse o site da Fundação Tide Setubal